Em tempos modernos, a política tem sido obrigada a se adaptar cada vez mais ao universo digital. Já podemos trazer, inclusive, cases de sucesso no uso da internet em campanhas políticas, como a do republicano Donald Trump, nos Estados Unidos, e do, na época, filiado ao PSL do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, no Brasil, atuais presidentes dos seus respectivos países. Trazendo a questão para o ano de 2020, tudo indica para a eleição mais digital da história do Brasil. A pandemia do novo coronavírus vai exigir das equipes de campanha política muita estratégia para “abordar” virtualmente o eleitor e convencê-lo a abraçar o projeto do candidato.
E como convencer o cidadão a apoiar este ou aquele político dentre tantas opções de ideologias e abordagens diferentes? Um dado muito preocupante vem do segundo turno das eleições presidenciais de 2018: segundo o Tribunal Superior Eleitoral, mais de 42 milhões de brasileiros abdicaram do direito de escolher um dos dois candidatos para a Presidência da República, o que equivale a pouco mais de 30% dos eleitores do país. Desse total, 31,3 milhões de votantes não compareceram às urnas, o equivalente a 21,3%.
Já o percentual de votos nulos no segundo turno das eleições presidenciais de 2018 somou 7,4%, número mais alto a ser registrado desde 1989, quando José Sarney (MDB-AP) foi eleito ao posto de Chefe de Estado brasileiro. O número de 8,6 milhões votos nulos representou um aumento de 60% em relação ao segundo turno da eleição presidencial de 2014, a que elegeu a chapa da então presidente Dilma Rousseff (PT-MG) e seu vice Michel Temer (MDB-SP), quando 4,6% dos votos foram anulados. Os votos brancos, no segundo turno de 2018, somaram 2,4 milhões, que são 2,1%.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido-RJ) e seu vice, General Hamilton Mourão (PRTB-RS), foram eleitos com 57,7 milhões de votos, derrotando a coligação do ex-ministro da Educação do primeiro governo Lula (PT-SP) e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT-SP), e da ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), que obteve 47 milhões de votos, “apenas” 5 milhões a mais do que o total da soma de abstenções, brancos e nulos.
O aumento no número de votos nulos é prejudicial para as campanhas políticas, pois há o desafio de chegar naquele eleitor desanimado com o pleito e fazê-lo abraçar a sua causa. Em tempos de Covid-19, a aproximação digital será praticamente a única via para se conquistar novos adeptos a candidatos, em sua maioria, estreantes ou que nunca assumiram um cargo público e querem mostrar o que tem de melhor.
E agora para o ano de 2020, uma novidade vai colocar uma dificuldade para muitos partidos pequenos e candidatos estreantes. Este é o primeiro pleito em que a última decisão do Tribunal Superior Eleitoral referente à eleição para o Poder Legislativo estará em vigor: o fim das coligações para vereador.
As famosas coligações com 10, 15 partidos para prefeito seguirão por aí, como a chapa dos segundos colocados nas eleições municipais de Porto Alegre, em 2016, Sebastião Melo (MDB-RS) e Juliana Brizola (PDT-RS), a coligação Abraçando Porto Alegre continha, além do MDB, partido do candidato à prefeitura, e do PDT, sigla da candidata a vice, mais treze partidos: PSD, PSB, DEM, PRB (atual Republicanos), PPS (atual Cidadania), PROS, PTN (atual Podemos), Rede, PSDC (atual DC), PHS, PRTB, PEN (atual Patriota) e PMN.
Os puxadores de votos
E qual a grande motivação para essa mudança na lei eleitoral? Dentre tantos casos, o mais famoso nos últimos anos é o Fenômeno Tiririca. Em 2010, o então candidato de primeira viagem foi eleito com 1.348.295 votos, na época, o equivalente a 6,35% do maior colégio eleitoral do Brasil. Tiririca (PL-SP) “levou na carona” três candidatos da coligação PRB (atual Republicanos), PT, PR (atual PL), PCdoB e PTdoB (atual Avante).
Entre os “agraciados” com a expressiva votação de Tiririca, estavam o delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), Otoniel Lima (Republicanos-SP) e Vanderlei Siraque (PCdoB-SP). José Genoíno (PT-SP), ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, quase foi contemplado pelo quociente eleitoral obtido por Tiririca, mas uma diferença menor do que mil votos impediu o petista de obter uma cadeira na Câmara dos Deputados.
Alguns anos antes, o caso em que a figura do “puxador de votos” foi empregada literalmente na eleição de candidatos inexpressivamente votados para a Câmara Federal. O PRONA, antiga sigla do famoso médico Dr. Enéas Carneiro, fez história com os 1.573.642 votos obtidos para deputado federal por São Paulo, nas eleições de 2002, somente pelo presidente do partido, o Dr. Enéas. Conhecido pela personalidade forte e o famoso bordão Meu Nome é Enéas, o parlamentar “carregou” cinco outros colegas de partido para formar a bancada do PRONA na Câmara dos Deputados durante a legislatura 2003-2006.
A votação expressiva de Enéas foi superada apenas 16 anos depois, em 2018, por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do atual presidente da República. O parlamentar de São Paulo obteve 1.814.443 votos e se tornou o dono da maior votação em uma única eleição, desde 1989, para deputado federal na história do Brasil.
Os colegas de Enéas na Câmara, pelo PRONA, eram quatro médicos e um advogado com votações bem menos significativas. O mais bem colocado, excluindo o presidente da sigla, foi Amauri Robledo Gasques, que obteve 18.276 votos. Junto com os dois, mais três candidatos que não chegaram a sequer mil votos foram contemplados com uma cadeira “na carona” de Enéas. São eles, Irapuan Teixeira, com 665 votos, Elimar Máximo Damasceno, que conseguiu o apoio de 478 paulistas, Ildeu Araujo, que conquistou 378 eleitores, e Vanderlei Assis de Souza, o qual atingiu a modestíssima marca de 275 votos.
Ambos falecidos, Clodovil Hernandes (E, ex-PTC) e Dr. Enéas Carneiro (D, ex-PRONA) foram dois dos mais famosos puxadores de votos no Brasil. Foto: Divulgação/ALESP
Acredite ou não, mesmo com a pífia marca obtida, o parlamentar Vanderlei não foi o eleito com menos votos na história da Câmara dos Deputados brasileira. O dono desta marca é o acreano Hermelindo Castelo Branco, que foi eleito deputado federal no longínquo ano de 1945. Em uma história digna de filme, o candidato estava viajando pelo Rio de Janeiro no dia da eleição (qual candidato faria isso nos dias de hoje?). Por isso, ele próprio não conseguiu votar em si mesmo, entretanto, conseguiu a proeza de ser o único no Brasil a ser eleito sem obter um único voto sequer.
Mas como isso foi possível? É completamente compreensível pensar que houve alguma manobra para a eleição de Castelo Branco, mas foi uma eleição completamente constitucional. Tudo graças a ele, o voto proporcional.
Esse sistema de eleição legislativa existe no Brasil desde 1935. Na prática, os votos que um candidato recebe além daqueles necessários para a sua eleição são distribuídos para o seu partido, proporcionando a eleição de outros candidatos da mesma sigla ou coligação.
O estado do Acre possuía apenas duas vagas para a Câmara Federal e o PSD, partido do nosso candidato zero votos, tinha somente um outro candidato, Hugo Ribeiro Carneiro, nome muito famoso no estado e grande esperança do partido no pleito. Hugo conseguiu 3.775 dos 5.359 votos válidos dos acreanos. O partido alcançou mais da metade do eleitorado, e, por isso, teve direito a ocupar as duas cadeiras do estado na Câmara, proporcionando a ida, ao lado de Hugo, do segundo colocado da sigla, que era Hermelindo e seu total de zero votos obtidos.
Além de absurdos como alguém se eleger mesmo sem o voto de ninguém (inclusive o seu próprio), o voto proporcional já ocasionou situações como a de Dante Martins de Oliveira, um dos parlamentares que mais lutaram pelas Diretas-Já na década de 1980.
Refrescando um pouco a nossa memória, Dante foi o responsável, em 1984, por nomear o projeto de lei que trazia a ideia das eleições diretas, chamada Emenda Dante de Oliveira. Sem nenhuma surpresa, Dante se candidatou a deputado federal pelo PDT do Mato Grosso e foi o grande campeão de votos para o cargo no estado.
Entretanto, o sistema de voto proporcional impediu que Dante fosse eleito, mesmo com o apoio visto pelo resultado das urnas. Os outros candidatos do PDT não chegaram nem perto do sucesso do seu colega de partido e a legenda obteve menos votos do que o total da votação dividido pelas vagas para deputado federal, deixando a sigla sem representação mato-grossense na Câmara durante a legislatura 1991-1994.
Um levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) da Câmara dos Deputados mostrou que, nas eleições de 2010, apenas 35 dos 513 deputados federais foram eleitos com os seus próprios votos. Esse dado prova a eficiência da proporção eleitoral nas coligações e dos famosos puxadores de votos para eleger os parlamentares. A ideia é de que um puxador de votos favoreça apenas a sua própria sigla e não tantas outras, como acontece atualmente.
Imagem política digital
E o que toda essa explanação sobre puxadores de voto tem a ver? Simples, o motivo de eles existirem. Essas figuras da política brasileira existem para atrair o voto popular a uma coligação ou partido específicos através de um político mais famoso ou alguma celebridade que é convencida a tentar “embarcar” na vida pública (ou você acha que o Partido Trabalhista Cristão acreditava exclusivamente na competência política do falecido estilista Clodovil Hernandes, eleito deputado federal por São Paulo no ano de 2006?).
A partir de 2020, eles não serão mais tão úteis como foram até 2018. Além de impedir as coligações entre partidos, as novas regras para as eleições legislativas não darão uma cadeira a um candidato que não tenha alcançado 10% do quociente eleitoral da área a qual está concorrendo. Dessa forma, os Enéas, Tiriricas, Clodovís e outros puxadores de votos podem estar com os dias contados na política brasileira.
A possibilidade de partidos mais estruturados serem beneficiados com essa medida é grande, assim como os convites de partidos menores a políticos de certo destaque em legendas maiores, mas que não tenham o protagonismo que desejam, como o caso de Valter Nagelstein (PSD-RS), vereador de Porto Alegre que trocou o tradicional MDB, antes maior bancada da Câmara Municipal, pelo PSD, que possuía uma única vereadora na cidade, mas abriu as portas ao parlamentar para a possibilidade de uma candidatura dele ao Paço Municipal.
Inclusive, falando de redes sociais, Nagelstein foi bastante citado durante o período da quarentena em função de um vídeo gravado junto com seus familiares, pelo qual ele foi acusado de estar zombando da situação de pandemia. Entretanto, o vereador, também em vídeo, explicou-se e pediu desculpas à população pela “brincadeira” que ele teria feito, frisando que não era sua intenção colocar o vídeo a público.
Uma ação que aparentemente não traria complicações ao vereador, se transformou numa imagem muito negativa para quem não conhecia Valter Nagelstein e, em tempos de redes sociais, prejudicou a sua imagem e pode trazer complicações na corrida à Prefeitura de Porto Alegre, caso se confirme a sua candidatura.
Outro caso recente de situação que em décadas anteriores provavelmente não teria a mesma disseminação, é o do atual governador de São Paulo, João Dória Jr. (PSDB-SP). Um suposto vídeo do então candidato ao governo em um motel com algumas mulheres começou a circular nas redes sociais durante o período de campanha e causou um certo desconforto ao postulante durante a reta final da corrida pela cadeira mais importante do estado de São Paulo. Dória conceituou o vídeo como uma “produção grotesca”.
Além de ter uma boa imagem política, sendo um bom parlamentar, participando de ações com a comunidade, a imagem digital do candidato se torna cada vez mais importante. Por isso, as redes sociais se transformam na principal fonte de captação de futuros eleitores, mas também podem ser a razão de esses mesmos eleitores se afastarem.
Especialistas como Marcelo Vitorino elencam elementos importantes para uma boa comunicação política. O consultor acredita ser necessário ter empatia com o eleitor que se quer alcançar, pois o cidadão espera que o político entenda a realidade que a pessoa e sua família vivem naquele momento, pois só assim saberá o que fazer para ajudá-los.
Esse primeiro ponto leva ao segundo tópico, o da crença. O eleitor deve estar convencido de que aquele político, diferente de vários outros que ele já viu prometerem e não fazerem nada, vai lembrar das suas promessas de campanha e realmente cumpri-las.
Adiante, outro ponto dessa via de relacionamento eleitor-candidato é a confiança. Além de acreditar que aquele político pretende cumprir o prometido, o votante precisa confiar na capacidade daquele candidato de fazer acontecer aquilo tudo que sai da sua boca. É não colocar em pauta um projeto instável, que dentro de um ou dois dias vai precisar ser desmentido ou revisto, causando um certo constrangimento ao proponente.
Para chegar com mais facilidade ao seu alvo, no caso, os eleitores, as equipes políticas ganharam um apoio na atuação via redes sociais: a permissão para o impulsionamento de publicações políticas durante o período das campanhas.
Usada de forma correta, essa ferramenta pode fazer a ideia do candidato “chegar até onde não se chegava antes”, pois, como explica o especialista, a tendência é de que a rede social mostre o conteúdo apenas para aqueles que realmente se interessam e tem engajamento com os temas publicados, tornando cada vez mais difícil a captação dos novos seguidores através do alcance orgânico das publicações. Os algoritmos afetam não apenas as páginas de cunho político, mas todas as que existem na rede social, independentemente da temática a qual é tratada.
A empatia, tópico citado anteriormente, é importante para explicar uma das ideias de eficiência da comunicação política defendida por Vitorino. O professor acredita que a “comunicação política eficiente faz crer, fala com o coração”, pois é preciso adentrar a realidade daquele que se espera atingir. Para o profissional do marketing político, “é preciso estimular o emocional” dos eleitores para fazê-los acreditar na ideia e abraçar o projeto político.
R.F.